Na paisagem, a casa se camufla ao ambiente, já que o exterior da residência foi todo construído em tijolo deitado e não ganhou reboco (Foto: Leonardo Finotti/Reprodução)
Texto: Naíza Ximenes
14/02/2023 | 16:59 — A casa do rapper Kdu dos Anjos, na periferia de Belo Horizonte, está concorrendo ao prêmio internacional de arquitetura do ArchDaily, na categoria “Casa do Ano”. Batizada de “Casa no Pomar do Cafezal”, a residência foi projetada pelo coletivo de arquitetos voluntários Coletivo Levante, fundada pelo próprio Kdu, em parceria com o arquiteto Fernando Maculan.
Com o intuito de incentivar a arquitetura na periferia, a equipe de arquitetos, designers, profissionais da engenharia, paisagismo e iluminação criou uma casa com “cara moderna e antiguinha ao mesmo tempo… tipo aquelas que têm cimento queimado no chão”, como descreve o proprietário.
(Foto: Leonardo Finotti/Reprodução)
Assim, a equipe se prontificou a projetar uma estrutura moderna e aconchegante, ao mesmo tempo que solucionava os desafios do espaço reduzido e do orçamento apertado. Maculan conta que, para isso, eles optaram por uma residência que utiliza dos mesmos materiais e sistemas construtivos que estão na favela, feitos cotidianamente. O projeto permite, ainda, maior ventilação e iluminação, além de outras soluções que a tornam eficiente.
Na paisagem, a casa se camufla ao ambiente, já que o exterior da residência foi todo construído em tijolo deitado e não ganhou reboco. “Os vizinhos falavam: a grana acabou? Você não vai rebocar? Não vai pintar? Não gente, foi feito para ser assim!”, conta Kdu. A equipe de arquitetos explica o porquê. “O tijolo foi assentado na horizontal e revela sua face frisada, algo pouco comum no morro, uma vez que assentar o bloco em pé é mais rápido e faz com que o material renda mais. Mas, nesse formato, além da casa ficar mais fresca, ainda passa a sensação de um elemento cobogó.”
(Foto: Leonardo Finotti/Reprodução)
Eles continuam. “Nos preocupamos em observar com cuidado questões referentes ao fluxo das águas de chuva e sua absorção no terreno; em fazer pouca intervenção no solo; oferecer ventilação e iluminação naturais de forma generosa, além do controle de temperatura com elementos leves como as peças roliças de eucalipto e a vegetação. E, claro, aproveitar ao máximo a vista, que é extraordinária e que não se vê igual lá do asfalto.”
No total, 1.622 moradias do mundo afora estão disputando o prêmio internacional de arquitetura, entre elas, 161 casas brasileiras. O “barraco do Kdu”, como a comunidade chama o espaço, é a única do país que fica em uma favela.
(Foto: Leonardo Finotti/Reprodução)
“Tem casas de baixo orçamento, tem casas de mais luxo. Por ser uma votação aberta ao público, dá essa oportunidade de projetos que normalmente não tenham tanto espaço em outros concursos. O prêmio é um reconhecimento de democratizar o acesso à informação e à arquitetura”, conta a curadora de projetos do ArchDaily, Suzana Moreira.
Arquiteto e morador estão na torcida. Querem mostrar para quem vive e constrói nas periferias que é possível.
(Foto: Leonardo Finotti/Reprodução)
“Abre lugar para reflexão, pro debate, enfim, sobre como podemos pensar e trazer mais e mais benefícios para esses lugares que foram tão esquecidos, tão negligenciados”, diz Fernando Maculan.
“Um barranco, uma pirambeira e um cantinho que seja, o favelado consegue transformar. O diferencial daqui foi o estudo arquitetônico. Parece que a periferia não faz parte da cidade e a gente está aqui para mostrar que o centro é aqui”, finaliza Kdu.