Desculpe o transtorno, preciso falar sobre arquitetura

Crédito: ShutterstockRedação Galeria da ArquiteturaConheci ela por meu pai. Essa frase pode parecer
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Crédito: Shutterstock

Redação Galeria da Arquitetura

Conheci ela por meu pai. Essa frase pode parecer clichê se você imaginar que muitos jovens seguem a mesma carreira dos pais. Mas a carreira em questão não era como essas comuns, igual a maioria das pessoas fazem, tipo administração de empresas, era uma coisa mágica, ela me escolheu. Meu pai fez arquitetura. Minha irmã fazia arquitetura. Eu não fazia arquitetura, mas meu sonho era fazer arquitetura. Estava passeando por São Paulo. Vi um edifício lindo. Nunca vou me esquecer: era o Edifício Copan, do Oscar.

Quando as profissões te engessavam, ela te dava liberdade. Quando exigiam pensamento quadrado, ela te pedia inovação. Quando elas te jogavam planilhas no excel, ela mergulhava em projetos no miniCAD. Os parentes, sempre receosos ao ouvir minha escolha, deixavam claro que ela não me deixaria trabalhar apenas em dias úteis. Foi paixão à primeira vista. Não só pra mim, com certeza.

Passamos algumas madrugadas desenhando no caderno da escola e tomando café, ao som de “A Briga do Edifício Itália Com O Hilton Hotel” de Tom Zé. De lá migramos pra folha quadriculada. Da folha quadriculada migramos pro caderno de desenho, do caderno de desenho pro Revit, do Revit pro AutoCAD.

Começamos a namorar quando ela tinha, sei lá, milhares de anos e eu 18, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todas as matérias. Algumas várias vezes. Fizemos todos os rascunhos existentes de projetos. Rasgamos algumas folhas de papel vegetal porque o desenho não estava tão bom. Desenhamos cômodos sem pesquisar se eles caberiam no terreno. Planejamos juntos retrofits, edifícios, residências. Fizemos uma dúzia de projetos e junto com eles minha carreira. Fizemos mais de 50 reformas só nós dois — acabei de contar. Sofremos com os engenheiros, rimos com os designers de interiores. Viajamos o mundo dividindo as ideias, o lápis e o papel. Dos dez projetos que mais gosto, sete são do Vilanova Artigas. Os outros três da Lina Bo Bardi. Aprendi o que era brise, e também o que era sanca, cobogó, shaft, muxarabi, e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve a sorte de ser apaixonado por ela.

Um dia, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais que quando a maquete de um projeto importantíssimo quebrou no dia da apresentação. Mais que quando ficamos no escritório até as 5 da manhã no Autocad e acabou a luz antes de salvarmos o projeto. Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: está trabalhando em quê agora? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse um projeto publicado na Galeria da Arquiteturaeu penso… Ficaria marcado para sempre na história dela.

Essa semana, pela primeira vez, vi o último projeto que a gente fez juntos — não por acaso um edifício. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter vivido um grande amor na vida. E de ter esse amor representado por uma construção — e em tantas casas, condomínios residenciais e prédios comerciais. Não falta nada.

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