
Centenária, a casa Marília, em São Paulo, passou por um retrofit que recuperou
elementos que já existiam, como tijolo, janelas e escada, e incluiu novas
soluções para receber um escritório. Por SuperLimão Studio (Fotos: Maíra Acayaba)
Redação Galeria da Arquitetura
Segundo o
Michaelis Dicionário da Língua Portuguesa, retrofitar significa “reabilitar ou
reciclar prédios antigos e espaços urbanos, incorporando algo mais moderno”.
Assim sendo, a solução vai além da reforma, pois dá sobrevida a imóveis
obsoletos (às vezes desocupados), garantindo sua valorização no mercado
imobiliário.
Diferentemente
da construção que começa “do zero”, o retrofit exige do arquiteto uma
abordagem específica, o que implica outros desafios. Para saber quais são – e
conhecer as vantagens e cases de obra – conversamos com alguns arquitetos que já
desenvolveram esse tipo de projeto.
Dificuldades
De acordo
com o arquiteto Lula Gouveia, do SuperLimão
Studio, um dos maiores desafios deste trabalho é justamente o fato de
“projetar com base em algo que já existe”, pois nem sempre o espaço antigo é ideal
para o novo uso.
Características
comuns aos prédios antigos, como estruturas compartimentadas, alvenaria
estrutural e instalações hidráulicas de ferro, muitas vezes dificultam a
instalação de sistemas contemporâneos, por exemplo, de iluminação, climatização,
comunicação e combate a incêndios.
Gouveia traz
um retrato bem atual do impasse antigo versus
moderno. “Hoje utilizamos uma grande quantidade de equipamentos, como a rede de
dados, que mesmo com o uso de Wi-Fi encontra
dificuldade para funcionar bem em prédios com estrutura pesada”.
O
arquiteto Bruno Vitorino, sócio do escritório
DMDV Arquitetos, conta que já passou por esses entraves na hora de fazer o retrofit do Edifício Integritate República. Nesse projeto, a equipe teve que se
desdobrar para instalar um duto de tomada de ar para a pressurização da escada
de emergência, pois o prédio não tinha recuos (laterais e de fundos) nos quatro
primeiros pavimentos. “Foi necessário conciliar as restrições e as exigências
do Corpo de Bombeiros à volumetria da fachada principal, bem como o acesso de
veículos para o estacionamento”, esclarece.

(Crédito: Nelson Kon – Edifício Integritate
República, por DMDV Arquitetos)
O
profissional também ressalta outro desafio que os arquitetos enfrentam:
executar as adequações para cada trecho imperfeito do prédio. Para ele, os projetos
são desenhados com a precisão máxima oferecida pelo computador, porém,
construídos por pessoas. Surgem, então, as imperfeições, como diferenças de
níveis e prumos, que tornam único cada elemento da edificação. “Por isso, retrofitar torna-se bastante trabalhoso,
já que é dinâmico e deve se adaptar a cada particularidade da obra”.
Vantagens
O
principal benefício de um retrofit é
transformar um imóvel decrépito num edifício novo, seja em termos estéticos ou
de uso. Com isso, prédios e unidades ganham valor no mercado imobiliário. Mais
do que isso: retrofitar é um ato de
respeito que realça a construção preexistente.
Esse foi
o caso da Marília – uma casa
centenária que o time do SuperLimão Studio retrofitou
para abrigar um escritório. Apesar de ter sido completamente desmontada, a
edificação manteve alguns elementos que já existiam, como as paredes de tijolos
aparentes, as janelas e a escada. “O fato de a construção ter um passado de
reformas, implícita ou explicitamente, fazem com que as intervenções sejam
parte de sua história”, justifica Gouveia.

(Crédito: Maíra Acayaba – Marília, por SuperLimão Studio)
Para o
arquiteto Anderson Freitas, sócio do Apiacás
Arquitetos, um retrofit pode ser ainda mais positivo se for além da
condição privada ou individualizada, partindo para uma filosofia que contribua para
uma cidade melhor.
Tomando
como exemplo a cidade de São Paulo, as requalificações que ocorreram no SESC Pompeia e no SESC 24 de Maio seguem esse conceito. “Isso tem o poder de ativação
econômica muito mais eficiente do que qualquer ação de incentivo fiscal ou
coisa parecida”, reitera.
Do ponto
de vista legislativo, o arquiteto Lula Gouveia complementa que o retrofit também pode ser um grande
ganho, pois “muitos imóveis já foram anistiados e conseguem taxas de ocupação
maiores do que as atuais."

(Crédito:
Matheus José Maria – SESC 24 de Maio, por Paulo Mendes da Rocha + MMBB Arquitetos)
Em
contrapartida, ainda é relativo afirmar que um projeto de retrofit é mais econômico do que demolir e construir um edifício
novo. Aproveitar uma estrutura existente reduz alguns custos. No entanto, esses
gastos podem aparecer de outra forma com a modernização do empreendimento.
Na
arquitetura contemporânea, isso quer dizer que uma edificação moderna deve ser
sobretudo sustentável. Segundo Leonardo Shieh, titular do escritório
de mesmo nome e responsável pelo retrofit da nova escola da Fundação Bradesco, em São Paulo, “pode parecer mais
ecológico não demolir”, mas deve-se considerar a maior eficiência de um projeto
novo, que muitas vezes já nasce sob essa premissa.
“Deve-se entender
as necessidades do cliente e ver se a adequação é possível tecnicamente e
financeiramente. Além disso, avaliar se está de acordo com as normas
urbanísticas aplicáveis”, lembra Shieh. Gouveia complementa: “o importante é
fazer um bom estudo para identificar os possíveis ganhos antes do início da
obra, já que os retrofits costumam
apresentar ‘surpresas’ durante a execução”.

(Crédito: Fernando Stankuns – Nova Escola Fundação Bradesco, por Shieh Arquitetos Associados)
Cuidados especiais
São essas
descobertas no meio do caminho que muitas vezes acabam mudando o curso do
projeto. Vitorino recorda que passou por isso no retrofit de um selfstorage
num galpão industrial. “Durante as fases de
projeto foram propostas novas docas de carga e descarga para caminhões. Mas
durante a obra encontramos um bloco de fundação que estava abaixo do piso do
galpão, porém, acima do nível da rua. Sendo assim, o perímetro deste espaço
teve que ser adaptado”.
Para
evitar essas surpresas é importante realizar um bom levantamento cadastral
(etapa em que se desenha a edificação com todos os elementos construtivos
identificados). Mas o arquiteto Anderson Freitas alerta: esse trabalho deve ser
feito junto com projetistas e equipe de obra, que verificam as reais condições
do imóvel com prospecções in loco.
“Acredito
que o maior erro esteja diretamente ligado à interpretação equivocada de
informações relativas à preexistência do edifício. Não basta somente estar a
par das informações do levantamento cadastral. É necessário prospectar,
entender se o que está informado no desenho de fato está construído”, finaliza.